Quando se fala nos profissionais responsáveis por desenvolver e aplicar as políticas de combate à fome ou os programas de apoio às mulheres vítimas de violência sexual, por exemplo, impossível não associar o trabalho às noções de filantropia e caridade. Trata-se, contudo, de uma imagem apoiada na origem histórica do Serviço Social, quando a atividade se limitava à ajuda aos desvalidos, feita então, principalmente, pela Igreja Católica. Um equívoco em relação à concepção de assistente social nos dias de hoje, cuja motivação é justamente romper à lógica da benesse no enfrentamento dos problemas sociais. Não apenas executar programas para quem precisa deles, mas, nas palavras da professora Maria Lúcia Pinto Leal, chefe do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília (UnB), “fornecer a essas pessoas os instrumentos de que precisam para construir sua própria cidadania, garantir e ampliar seus direitos individuais.”
Desta perspectiva que surge a responsabilidade pelo respeito à pessoa, que talvez seja a melhor denominação para o princípio da autonomia.
Charlesworth introduz uma perspectiva social para a autonomia do indivíduo podendo conduzir à própria noção de cidadania. Este autor afirma que: “Ninguém está capacitado para desenvolver a liberdade pessoal e sentir-se autônomo se está angustiado pela pobreza, privado da educação básica ou se vive desprovido da ordem pública. Da mesma forma, a assistência à saúde básica é uma condição para o exercício da autonomia". O Princípio da Autonomia não pode mais ser entendido apenas como sendo a autodeterminação de um individuo, esta é apenas uma de suas várias possíveis leituras. A inclusão do outro na questão da autonomia trouxe, desde o pensamento de Kant, uma nova perspectiva que alia a ação individual ao componente social.
"Motivação, em psicologia, é um conjunto de causas que concorrem para determinar a conduta do ser humano. Qualquer atividade precisa de motivação para ser executada com prazer.”
Neurofisiologistas e etnólogos demonstram que o comportamento humano está em relação direta com modificações internas endócrino-neuróticas, atuantes no cérebro. A motivação é, pois, sob o aspecto cronológico, o primeiro elemento do comportamento, pondo o organismo em atividade, persistindo enquanto dura a tensão. Partindo da hipótese psicanalítica de que “o pensamento é um processo motivado por tendências instintivas” que o pensar relaciona-se mais de perto com os processos intrapsíquicos, isto é, com os processos que encontram sua motivação nos impulsos e fenômenos de ordem emotiva: “(...) a razão e a finalidade última dos processos mentais é alcançar um estado de identificação, ou seja, a translação de uma grandeza quantitativa (originalmente externa), ‘ocupacional’ (catexe), para dentro de um neurônio já ‘ocupado’ por parte do ego”. (Freud “projeto para a constituição de uma psicologia” 1895, ed. 1950).
A seguir Freud subdivide o processo mental segundo as diferentes qualidades de “ocupação” (catexe) dominantes e, distingue assim, o pensamento cognitivo ou judicativo do reprodutivo; mediante este último, procura estabelecer a identificação com uma “ocupação” psíquica, no caso, com a própria experiência vivida. (alhures p.417). Nesse contexto, Freud não se interessava apenas pela “efetivação da condição de identidade” de uma percepção ou de um determinado conteúdo de pensamento (através do pensamento em processo), mas, igualmente, pela questão de saber como esses fenômenos mentais podem armazenar-se na memória e tornarem-se assim conscientes. Entende (alhures, p.598) pessoalmente, “que os desempenhos do pensamento, por complicados que sejam, dispensam a participação consciente”.
Voltando ao Serviço Social surge uma questão: O que teria acontecido à Fera se a bela não tivesse aparecido? Você conhece a história. Houve um tempo em que seu rosto era bonito e seu palácio era agradável. Mas a maldição chegou e as trevas caíram sobre o castelo do príncipe. E quando a escuridão tomou conta, ele sucumbiu. Recluso em seu castelo, rebelde, com focinho reluzente e grandes caninos (imagine se após tudo isso ainda ficasse miserável economicamente ou sequer tivesse conhecido a dignidade em todos os sentidos). Mas a bela veio e ela se importou (identificou-se com ele) e tudo mudou.
Nossa intenção é fazer os usuários dos serviços sociais felizes de qualquer maneira? “Quem motiva uma pessoa, isto é, quem lhe causa motivação, provoca nela um ânimo, ela começa a agir em busca de novos horizontes, de novas conquistas. A motivação é uma força interna propulsora, de importância decisiva no desenvolvimento do ser humano. Assim como na aprendizagem em geral, o ato de se aprender é ativo e não passivo (...) ninguém pode motivar ninguém, a motivação vem de necessidades internas de cada indivíduo e não de nossa vontade. A origem da motivação é sempre o desejo de se satisfazer necessidades. O ser humano é um animal social por natureza e, como tal, tem uma necessidade absoluta de se relacionar com outros ambientes. Essa tendência de se integrar a um grupo de pessoas é o principal fator interno ativador da motivação para muitos de seus atos”.
A motivação para o trabalho é basicamente a vontade de prover a sobrevivência da família (alimentos, vestuário e abrigo). Mas os incentivos podem ser variados: desejo de prestígio, aquisição de ferramentas, posse de objetos, de status, acumulação de riquezas, satisfação do trabalho em conjunto, prazer da convivência ou da confecção de determinados objetos e ou prestação de serviços etc. Nessa hipótese, a liderança imbuída de amor conduz os liderados ao atendimento das reais necessidades deles. E os move com graça.
O que é liderança? Como se divide a humanidade? O general Charles Gordon perguntou certa vez a Li Hung Chang, um velho sábio chinês; ele recebeu a seguinte resposta enigmática: “Há três tipos de pessoas no mundo: aquelas que não se mexem, as que são mexíveis, e as que mexem os outros.” O fator motivador que mais condiz com a verdadeira liderança é o amor.
Ao tratarmos de liderança tratamos também de hierarquia e, logo, também em relações de poder. Nessa perspectiva Michel Foucault (Vigiar e Punir - 1983) aponta a importância das práticas disciplinares e sua relação com o controle exercido sobre os corpos nas mais diversas esferas da sociedade. E “a disciplina aumenta a força dos corpos (em termos econômicos de utilidade) e diminui essas mesmas forças (em termos políticos de obediência), (...) a disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, ‘corpos dóceis’. (...) a modalidade enfim: implica numa coerção ininterrupta, constante, que vela sobre os processos da atividade, mais que sobre o resultado e se exerce de acordo com uma codificação que esquadrinha ao máximo o tempo, o espaço, os movimentos. Esses métodos que permitem o controle minucioso das operações do corpo, que lhes impõe uma relação de docilidade – utilidade”. As práticas disciplinares estão diluídas na sociedade em suas variadas esferas (...) a disciplinação social também está presente nos discursos da Igreja, na rotina escolar, na legislação, nos projetos de civilização e “higienização“ das classes mais pobres, enfim, uma rede que busca controlar a sociedade das mais diversas formas.
Amor: “Sentimento, variado em seus aspectos de comportamento e em conteúdo mental, mas que acredita possuir qualidade específica e singular, cuja característica dominante é a afeição e cuja finalidade é a associação íntima de outra pessoa com a pessoa amante, assim como a felicidade e o bem-estar dessa outra pessoa. Em psicanálise, designa o primitivo e indiferenciado estado emocional sob domínio do princípio do prazer (libido), ou a expressão sensual de Eros. Do ponto de vista espiritual (místico e religioso, não científico), amor é qualidade espiritual que une as pessoas, que lhes incute um sentimento de comunhão – é ágape, um estado emocional que provavelmente derivou da sexualidade primitiva mas que foi ‘purificado’. Este conceito de amor reveste-se, entretanto, de considerável interesse para a Psicologia, na medida em que representa um tipo de comportamento interpessoal digno de estudo.” Dicionário de Psicologia e Psicanálise; Álvaro Cabral, Editora expressão e cultura .
Finalmente, a verdadeira motivação para os assistentes sociais deve ser o amor aos usuários.
Referências :
http://www.ufrgs.br/bioetica/autonomi.htm#Charlesworth, acessado em 20 de abril de 2008.
CABRAL, Álvaro. Dicionário de Psicologia e Psicanálise. Rio de Janeiro: Editora Expressão e Cultura, 1979.
FOUCAULT, Michael. Vigiar e Punir. Petrópolis:Vozes, 1987.